Mestra Zenaide, a menina que virou parteira
- Bruna Basevic
- 30 de mai.
- 5 min de leitura
Por: Ana Claudia Magnani

Mãe de quatro e avó de uma; Educadora-Pedagoga pela UNESP/FCLAr; Sonhadora em busca constante por outros mundos possíveis para a educação; Mestra-Pesquisadora em constante processo extensionista pela UNESP/FCLAR. Doutoranda em Educação pela UNESP/FCLAr buscando conhecer os sonhos das crianças e como estes impactam sua permanência e desenvolvimento escolar. Artista-arteira-brincante, Arte-educadora nos Saberes Populares com a Carroça de Mamulengos/A Casa Tombada. Aprendiz inveterada das crianças que compartilham seus saberes nos encontros programados e, nos outros tantos espontâneos, em diferentes espaços e contextos. Além disso, tenho escutado mulheres nos mais diferentes contextos buscando tecer com elas, redes de cuidado e proteção.
Uma voz que vem do Acre ainda ressoa em mim e é dessa mulher a história que quero te contar. Uma mestra, uma parteira, uma educadora, que clama por visibilidade e reconhecimento; não só para si, mas para todas as mulheres parteiras que vivem e trabalham nas florestas do Acre.
Com seu jeito sorridente e acolhedor, Dona Zenaide me recebeu no começo de uma tarde de calor intenso e úmido de novembro, em sua casa. Com a mesa posta na varanda coberta, ainda cheirando a comida do almoço e com uma garrafa com café quente entre nós, puxamos as cadeiras para mergulhar em uma prosa que durou muitas horas.
Desse modo começa o meu encontro com a mulher que ainda menina assiste ao seu primeiro parto. Filha e sobrinha de parteiras das terras dos seringais acreanos, Maria Zenaide de Souza Carvalho, desde pequena andava junto a mãe e a tia na assistência das mulheres grávidas ou das buchudas como me ensina o dialeto acreano.
Ela nunca esteve presente aos partos, mas espreitava por entre as frestas das casas de madeira buscando conhecer os mistérios da chegança das crianças.
Porém aconteceu o dia em que mãe e tia entraram em trabalho de parto quase ao mesmo tempo. A mãe já estava sendo assistida pela outra única parteira da região quando a tia sente as dores. E assim, Zenaide menina é convocada, “venha me ajudar, vou te ensinar o que fazer”, diz a tia.
Nesse momento, a memória toma conta e as expressões de Dona Zenaide contam sobre a curiosidade, o encantamento, o assombro, tudo junto e ao mesmo tempo. O corpo não contém os movimentos e a memória se expressa através do movimento dos ombros e das mãos. O deslumbramento nos olhos que vem o nenê coroar pela primeira vez. O pegar nas mãos, movimento sensível, quase imperceptível. O deitar sobre a tia. O umbigo cortado. Nada falta, nada sobra, no relato. Ele é preciso e afetivo.
Nesse parto nasce a criança e a parteira. Zenaide ainda menina, aos dez anos de vida, se torna parteira para sempre. Ela diz que não se pode deixar de ser parteira porque não se deixa de lembrar de cada uma das mais de 200 crianças que recebeu e apresentou ao mundo. Ela nunca perdeu uma criança. Ela conta que gosta de partejar com brilho nos olhos e eu me encanto.
Mas Dona Zenaide diz para eu não me enganar, que essa vida de parteira não é fácil, falta assistência, falta material, as distancias são grandes a percorrer. Além disso, tem outras necessidades por aqui que teve que enfrentar e enfrentou.
“As mulheres precisam aprender, assim, quando morava nos seringais me pus a ensinar. Amarrava a tampa velha de uma mala em uma arvore e fazia de lousa. Nela eu escrevia. As mulheres e as crianças me arrudiavam depois que os homens saiam para colher a seringa. Quando precisava de caderno e lápis eu criava galinhas”.
Não entendi!, disse com espanto.
“Eu criava galinhas. Colocava 5 ou 6 em um saco de estopa e amarrava as costas. Tomava a trilha na mata até a próxima comunidade. Lá eu vendia as galinhas e comprava lápis e papel. Era assim que eu ensinava lá no seringal”.
“Hoje não faço mais isso, notei que era outro ensino que as mulheres precisavam. Fui fazer curso e me formei para ensinar as mulheres sobre saúde. Pegava a balsa e descia pras comunidades seringueiras e ribeirinhas, pra falar de prevenção e cuidado. Levava um caderno grande com figuras, que eu mesma fiz, para as mulheres verem. Reunia as mulheres e começava a ensinar. No primeiro dia elas ficavam com muita vergonha de olhar para os desenhos, no dia seguinte já começam a olhar e perguntar. Eu ficava uns quatro dias com essas mulheres”.
“As mulheres sofrem muitas violências aqui”.
Nesse instante seu olhar se perde e leva um tempo para ele voltar a falar.
“Você viu que não enxergo desse olho, né!”
Eu não tinha percebido. Estava tão encantada que não tinha percebido.
“Foi no dia que sofri violência nas mãos de um homem. 15 de novembro de 2004. Fui numa festa na cidade de Marechal Thaumaturgo, não queria ir, estava desgostosa, mas fui por insistência do meu filho. Lá pelas tantas senti sede e fui na casa da avó que tinha água gelada pra beber. Um homem conhecido veio lá de dentro, já foi me agarrando e arrancando minhas roupas. Tinha muita gente lá, e ninguém disse nada. Ninguém me ajudou. Eu lutei, empurrei, até que um soco me atingiu. Eu tentei escapar, mas o soco pegou o meu olho e eu fiquei empapada de sangue. Nessa época não tinha ainda a Lei Maria da Penha. Ele ficou só dois meses preso, pagou fiança e saiu. Eu já não posso andar sozinha pelos cantos do Brasil. Nem atravessar a rua sozinha”.
Mas rápido como começou o relato, ela mudou o rumo da prosa, e me contou que também é compositora e cantora.
Dona Zenaide compõe e canta!
E começa a cantar e me encantar com sua voz e suas composições.
“Vem cá mulher, que eu vou te mostrar, o valor que tu tem, tu não vai acreditar. A mulher tem carinho, a mulher tem amor, a mulher sabe seduzir, a mulher tem valor. A mulher é tudo, nesse mundo aqui, sem as mulheres nada presta assim. A mulher tem valor, tem, tem, sim. A mulher tem valor, tem, tem, sim. Quem sabe viver ama sempre as mulheres, e quem não gosta delas anda de quatro pés. A mulher é mulher, é mulher. A mulher é mulher, é mulher. A mulher é linda e gostosa, tudo que tem é dela, faz o que quiser e pega onde quiser. A mulher é mulher, é mulher. A mulher é mulher, é mulher. Vem, vem, vem, mulher, que eu vou te mostrar o valor que tu tem, tu não vai acreditar”.
E foram muitas as músicas que Dona Zenaide compartilhou comigo nessa tarde. Hoje vejo Mestra Zenaide brilhando nas redes sociais e me traz de volta um carinho e uma gratidão enorme pelos ensinamentos que ela me proporcionou nessa tarde. Ela falou de coragem, de sonho, de determinação. Ela me falou que a mulher tem valor, tem, tem, sim.
Dona Zenaide parteira recebe as crianças mas, também, ressignifica a vida das muitas mulheres que tiveram o privilégio de encontrá-la pelo caminho.
Ela me diz que andava por todo canto tentando conseguir os recursos pras parteiras e não conseguia. Aí ela pensou, “vou fazer uma música pra, quem sabe, os políticos escute e queiram ajudar a gente”
“Minhas queridas parteiras desculpe por não lhe ajudar, pois uma andorinha só não tem força pra voar. Andei por todo lado não me deram decisão, nem para conseguir uma gratificação, agora em 2023 minha fé aumentou, pode ser que os políticos nos preste atenção, olhando o movimento de nossa associação. Para ver o quanto sofre por falta de condição. Nós parteiras somos médicas na hora da precisão, acompanhando os partos com dedicada atenção, cuidando da parturiente para melhorar o padrão. Quase todos os movimentos ganham por trabalhar, mas somente nós parteiras trabalhamos sem ganhar, lá dentro dos municípios, no Vale do Juruá”.
Quer conhecer mais da história de Dona Zenaide Parteira, segue @zenaideparteiraempoderada. Essa mulher é poderosa!
Viva a mulher acreana!
Viva as parteiras do Acre!
Viva Mestra Zenaide Parteira!
Viva!
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