Sobre ser mãe

Por: Juliana Primi

Doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa (USP). Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (2004), com Graduação em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa pela mesma universidade. Atuou como professora e coordenadora de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão no Centro Universitário Estácio de São Paulo. Atualmente, é professora conteudista e presencial na Faculdade Paulista de Ciências da Saúde e no Gran Cursos Online. Áreas de atuação: Literaturas Brasileira e Afro-brasileira, Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, Psicanálise e Literatura e Estudos sobre Gênero. Desde 2012, é membro do Grupo de Pesquisa Estudos cabo-verdianos: literatura e cultura (USP-CNPq). Também é voluntária no Instituto ELA – Educadoras do Brasil.

Ser mãe é uma das formas mais profundas de ser mulher: não por obrigação, mas por descoberta. Assim como ser mulher é um exercício de liberdade e consciência, ser mãe é um mergulho em contradições: força e fragilidade, entrega e autonomia, doação e desejo. Ambas as experiências nascem do mesmo solo: o da escolha.

Feminista é a mulher que se reconhece, que percebe a construção social de sua condição e se levanta contra ela. Mãe é aquela que, dentro desse mesmo mundo, aprende a se reconstruir todos os dias. Ser mulher é gesto político; ser mãe, gesto existencial. E quando esses dois gestos se encontram, nasce uma potência rara: a de quem cuida e questiona, ama e transforma.

A maternidade não é imposição, é caminho. Não somos biologicamente formadas para ser mães, mas para sentir, pensar, criar, existir. A maternidade, quando acontece, é apenas uma das faces do feminino. Por isso, a mulher que não gera também é inteira; e a que gera não se reduz à função de cuidar. Ambas são expressão da mesma liberdade que o feminismo reivindica: o direito de escolher.

Ser mãe é viver o paradoxo de ser duas e ainda assim permanecer uma só. É dividir o corpo e o tempo sem perder o nome. É estar inteira mesmo quando o mundo exige metades.

Assim como ser mulher, ser mãe é um processo de escuta: escutar o outro, o filho, o tempo, o próprio corpo, e escutar a si mesma.

Há dias em que a maternidade parece uma longa travessia. Dias em que o amor se confunde com o cansaço, em que o silêncio fala mais do que mil gestos. Ser mulher também é isso: lidar com o que não cabe em palavras, com o invisível que nos habita.

Escolhi ser mãe porque aprendi, com o ser mulher, que o amor também é luta. Escolhi ser mãe porque a dor não anula o encanto. Escolhi ser mãe porque a liberdade que defendo como mulher só faz sentido quando inclui o direito de amar, criar e ensinar, sem perder de vista quem sou.

Ser mãe é ter o peito doído de medo e o coração cheio de fé. É perder o controle e encontrar um novo eixo. É perceber que o amor verdadeiro não se mede pela ausência de conflito, mas pela presença constante, mesmo quando o mundo desaba.

E ser mulher, nesse contexto, é não permitir que a maternidade se torne prisão. É compreender que o cuidado com o outro nasce, antes, do cuidado consigo.

Ser mulher é afirmar que a maternidade pode ser vivida com ternura e consciência, sem culpa e sem renúncia da própria voz. Entre mamadeiras e palavras, febres e risos, a mulher que há em mim continua escrevendo, pesquisando, amando, existindo.

Ambas as jornadas, a de ser mulher e a de ser mãe, são feitas de amor e de luta.

De raízes e de asas.

De dor e de beleza.

E é nesse entrelaçamento que descubro, todos os dias, que a maternidade é apenas mais uma forma, profundamente humana, de dizer: “Eu sou.”