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Mulheres solo, mulheres sozinhas

Por: Ana Magnani


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Mãe de quatro e avó de uma; Educadora-Pedagoga pela UNESP/FCLAr; Sonhadora em busca constante por outros mundos possíveis para a educação; Mestra Pesquisadora em constante processo extensionista pela UNESP/FCLAR. Doutoranda em Educação pela UNESP/FCLAr

buscando conhecer os sonhos das crianças e como estes impactam sua permanência e

desenvolvimento escolar. Artista-arteira-brincante, Arte-educadora nos Saberes Populares com a Carroça de Mamulengos/A Casa Tombada. Aprendiz inveterada das crianças que compartilham seus saberes nos encontros programados e, nos outros tantos espontâneos, em diferentes espaços e contextos. Além disso, tenho escutado mulheres nos mais diferentes contextos buscando tecer com elas, redes de cuidado e proteção.


Peço licença as mulheres com quem compartilhei percursos, histórias e sonhos para tecer essa escrita.


Como em uma grande colcha de retalhos começo a puxar recortes de presenças e conversas sobre a solidão que compartilhamos. Grande parte de nós já a sentiu, mas cada uma a sentiu a seu modo.


Algumas entre nós já disseram sobre se sentirem sem apoio mesmo entre tantas pessoas; outras falaram da sobrecarga e do peso que sentem por ter que dar conta de tantas responsabilidades para com os filhos, com a casa e com o trabalho externo.

O desejo de chorar e não poder. A hora do banho em que as lagrimas escorrem junto a água. O frio na espinha ao ser cobrada. O medo da violência nas palavras ríspidas que cortam a pele e a alma.


Mulheres solo. Mulheres sozinhas.


Parece-me o momento para puxarmos a linha e costurarmos uma conversa sobre esses termos.

Esses termos me remetem ao “elogio” supermulheres que me recorda um tipo de piada de mau gosto machista que provoca riso com a solidão, a canseira, a sobrecarga, o sorriso forçado, a dor.


Me recorda a amiga que chegou e me pediu um abraço. E durante esse tempo que tem a duração de uma conversa sem palavras, ela me disse sobre a carência do acolhimento, do carinho, do tempo da partilha.


Um abraço que compartilhou o tempo necessário a cura entre mulheres que deixam seus corações sincronizarem a batida. E o silêncio que se estende.


Ah! O silêncio que fala mais que mil palavras e tem o poder de dizer sempre as coisas certas.

Depois disso, o olho no olho, as mãos entrelaçadas e o convite a sentar para conversar. Uma conversa que tem o ritmo necessário ao momento. Algumas apressadas, que só uma fala tudo aquilo que a consome; outras lentas, repletas de pausas e respiros; e tem também aquelas que são entremeadas por sorrisos e choros.


Me lembra outra amiga e a conversa que tivemos durante uma caminhada. Nos conhecíamos a pouco tempo, mas nos permitimos caminhar abraçadas, cabeças encostas, tecendo conversas lentas com os olhares perdidos no tempo. A noite estava deixando seu xale nos envolver e a lua iluminava a calçada. Eu casada, ela separada. Falamos as duas. Nos curamos as duas.


Recordando esses momentos pude perceber que existem diferenças entre as mulheres solos e as mulheres sozinhas; mas são muitas e muitas as vivências que nos aproximam. Ambas precisamos de acolhimento e de escuta amiga.


Puxo para a confecção dessa colcha de retalhos uma outra conversa que ocorreu, durante uma roda de mulheres, na qual escutei sobre a canseira cotidiana, a invisibilidade e o trabalho que não cessa. “O tempo falta para mim”, “Vejo que o tempo está passando, e eu?”, “Eu ainda escuto queixas se estou atrasada com o jantar ou se a cueca não está na gaveta”, “Ah! Você ainda tem um marido e eu que não tenho com quem compartilhar os problemas”, “eu preferia estar sozinha para não ter que ouvir xingos todos os dias”, “dói muito”, “estou cansada”, “choro sozinha”, “sofro demais”, “tenho medo”, “me sinto sozinha”. Por fim ouvi: “aqui não estamos mais sozinhas”. Elas perceberam que nesses espaços de acolhimento entre mulheres elas poderiam falar e serem ouvidas.


Percebo que existe uma discussão que sempre atravessa as conversas entre mulheres que se remete ao trabalho externo: “eu preciso trabalhar para manter a casa e meus filhos”, “ele me proíbe de trabalhar para que eu tenha que me humilhar pedindo dinheiro para tudo”, “eu preciso trabalhar, mas nunca tenho dinheiro para mim”, “ele paga a pensão e fala que eu gasto todo dinheiro comprando porcaria”, “todo mês é a mesma história”, “todo dia falta algo e eu tenho que me virar”, “todo dia falta algo e eu tenho que pedir a ele”, ....


Penso que das casa simples às mansões, as mulheres continuam a ser vitimizadas por ser mulheres, por ter que dar conta, por ter que ser responsáveis, por ter que cuidar, por ter que ser mãe, por ter que casar-se, e serem responsabilizadas se algumas dessas suas responsabilidades não for cumprida a contento.


Lembro de Silvia Federici dizer que somos mão de obra barata para esse mundo machista, racista, patriarcal e colonial. Ela nos diz que isso é consequência de uma ‘educação inadequada’ e de uma ‘falsa consciência’; e que essa estratégia de ‘educação’ não nos deixa nada além de “imperativos morais para sustentar nosso lado”.[1]


 Silvia vai nos fazer compreender que, ao sermos desde muito cedo, educadas para o cuidar da casa e da família, nos tornamos enfraquecidas diante do mercado de trabalho. Ela vai dizer: “Contratantes sabem que estamos acostumadas a trabalhar a troco de nada e que estamos tão desesperadas por algum dinheiro próprio que podem nos admitir por um preço baixo”.


Parafraseando Silvia vou acrescentar: que estamos tão acostumadas a não sermos vistas e tão desesperadas por qualquer atenção que acabamos por aceitar as pequenas coisas que nos oferecem. E isso só aumenta a nossa dor.


Com Silvia devo concordar que tanto as mulheres solos, como as mulheres sozinhas, são vítimas de um projeto educacional inadequado que visa naturalizar o papel da mulher como mão de obra cuidadora, como faz tudo por amor, como sempre dependente dos homens, com o intuito de continuar a sustentar o modelo de mundo capitalista moderno.


Não importando se isso nos causa sofrimento físico e psíquico; e devo dizer que nunca ouvi, como agora, tantas mulheres estarem sofrendo com a depressão.


Isso me faz perceber, começando por mim mesma, que o trabalho que desempenhamos não começa e nem termina em um portão de fábrica; ele é incessante, nos fazendo servir física, emocional e até sexualmente as nossas famílias, dia após dia, nem sempre recebendo um salário ou sendo reconhecidas.


Pois, desde a educação familiar até a educação social que recebemos nos ensina a nos mantermos isoladas, competitivas, tecendo relações superficiais com outras mulheres, pois existe o discurso que sempre estamos competindo. E isso faz com que nos tornemos sozinhas e muito mais vulneráveis.


Em ambos os casos, tanto para a mulher solo como a mulher sozinha, o direito que temos é o de trabalhar mais, sendo assim mais exploradas.


Bem, sinto que já me estendi nessa costura e que teria muitos outros retalhos para compor esse trabalho, mas encerro essa composição compartilhando com vocês uma percepção que tem me atravessado: enquanto medimos as nossas dores, os homens avançam com novos mecanismos de subjugação.


Precisamos unir nossas forças e reivindicar uma educação adequada para as nossas crianças para que, no futuro, elas não precisem estar vivenciando as mesmas violências que vivemos agora.


[1] O Patriarcado do salário, vol.1 de Silvia Federico.

 
 
 

2 comentários


Adhelmar Kuehn
Adhelmar Kuehn
14 de nov.

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Que texto profundo e necessário, Ana Magnani! Essa colcha de retalhos tecida com abraços silenciosos, choros no banho e conversas lunares revela as camadas da solidão feminina – solo ou sozinha –, onde o patriarcado nos educa para o cuidado incessante, a sobrecarga invisível e a exploração como "mão de obra barata", ecoando Federici com maestria. Adorei como você transforma dor em união: "aqui não estamos mais sozinhas", um convite para redes de escuta que curam e empoderam, rompendo o isolamento competitivo e a "falsa consciência" que nos enfraquece. É uma revolução sutil, mas urgente, para educar nossas crianças em mundos sem violências herdadas. Mulheres, vamos costurar forças e reivindicar o tempo para nós! E se, em meio a essa…

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