MÃES DE DOZE
- Bruna Basevic
- há 2 dias
- 4 min de leitura
Por: Belisa Rabelo

Belisa Rabelo Dourado de Andrade - Educadora comprometida, com uma
trajetória acadêmica e profissional que reflete sua dedicação à educação.
Professora apaixonada, vem trilhando caminhos na gestão escolar e,
atualmente, atua como coordenadora pedagógica geral da Rede Clarissas
Franciscanas. É voluntária do Instituto ELA desde 2024.
Era um Brasil agrário, de horizontes largos e mãos calejadas. O país mal havia se desvencilhado das correntes invisíveis de uma sociedade escravocrata. As cidades começavam a pulsar com a promessa da indústria, mas o campo ainda era o chão de quase todos.
As famílias eram grandes, em número e em afeto. Para muitas mulheres, a vida era costurada nos fios da maternidade, do cuidado, da lida invisível que sustenta o cotidiano do lar.
Maura, nascida em algum canto do sertão baiano, atravessou estradas de poeira até o interior das Minas Gerais, onde se casou com Francisco por volta dos anos 1940. No campo, fazia de tudo: colhia, plantava, cuidava dos animais e da casa. Era firme como rocha e doce como as frutas do quintal. Professora nomeada pelo governo do estado, dava aulas em casa. Fazia bolo para os pequenos que chegavam sem lanche. Informava-se pelas letras miúdas dos jornais que embrulhavam as quitandas. Criou doze filhos, um por um, com a força de quem sonha em silêncio.
Rita era a primogênita dos onze filhos que “vingaram”. Contava que sua mãe tivera gêmeas duas vezes. Uma delas, porém, partiu cedo demais. Rita cresceu na roça, aprendendo desde cedo a costurar os retalhos da vida. Fez do fio uma arte. Dos tecidos, sua linguagem. Virou alfaiate — e das melhores. Cozinhava no fogão à lenha; seu feijão, inigualável, tinha gosto de aconchego. Devota de Nossa Senhora, era suave como a brisa. Gostava de contar as histórias de sua vida e das pessoas com as quais desenvolveu afetos. Casou-se com Mário e também teve doze filhos. Viveu com uma ternura que lhe era peculiar.
Já na segunda metade do século XX, o campo sucumbiu ao chamado da cidade. A urbanização batia às portas, e muitos viam nela a chance de reinventar a existência.
Maura ouviu esse chamado. Queria “estudar seus filhos”. Foi embora para Belo Horizonte, mesmo sem o consentimento do marido. Ele ficou. Ela seguiu. Deu a mão aos doze e recomeçou.
Rita viu os filhos partirem rumo à capital. Pouco depois, ela e o marido foram atrás, com os mais novos a tiracolo e muita coragem no coração.
E assim, a vida se refez para todos — para elas e para seus doze.
Belo Horizonte era outro mundo. A casa, menor. Mas o amor só crescia. O sustento, agora, vinha do trabalho assalariado, que substituíra a agricultura de subsistência. Os filhos mais velhos ajudavam a cuidar dos mais novos. O sonho dos estudos se tornou realidade. O tecer da vida abriu novos caminhos.
E, no vasto universo da cidade, Maura e Rita, apesar do trabalho duro e da rotina por vezes exaustiva, exerceram a maternidade em sua forma mais genuína. Eram tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais.
Elas se doaram para seus doze, acolhendo, nutrindo e protegendo-os. Mantiveram-se, por vezes, em silêncio para que os filhos escutassem a própria voz, aquela que os guiaria rumo à autonomia e à escolha de seus caminhos. Amavam sem exigir trocas.Ah, o amor? Ele transbordava.
Neste ano, aqui no Instituto ELA, escolhemos valorizar e homenagear as mulheres que fizeram história: as que conquistaram o mundo, ganhando notoriedade, e também aquelas que ergueram o próprio mundo, sedimentando e transformando a existência dos seus.
Esclareço, então, que esta é a história de duas grandes mulheres (ainda que aqui contada num átimo de vida, neste singelo texto) que viveram generosamente e deixaram um belo, rico, sólido e profundo legado para as famílias que edificaram. E essa delicadeza revela o extraordinário da vida.
Suas referências nos ensinam que ser mãe é se forjar no altruísmo de uma entrega silenciosa. É o gesto cotidiano de se colocar em segundo plano para que outro ser floresça. É deixar o prato esfriar, o sono acumular, a palavra calar, para que o filho coma, descanse, fale, cresça. É o cuidado com a febre, a paciência com o choro, o olhar que percebe antes da palavra.
Tenho pensado em quantas Mauras e Ritas, quantas Marias, Antônias e tantas outras mulheres já passaram por este mundo e permanecem eternas na subjetividade, nas atitudes, nos valores, nas crenças de quem somos hoje. Quantas referências de mães, feitas de silêncio, renúncia e amor, construíram as mães que somos agora? Como temos transformado a maternidade, mantendo em nós o amor altruísta de nossas ancestrais, mas abrindo espaço para novas formas de ser, de cuidar, de existir, de maternar?
É provável que essas respostas estejam em nosso interior, em nossos processos de autoconhecimento, autoconstrução e autorrealização. Sejamos as melhores mães possíveis, ressignificando a história daquelas que nos constituíram.
Maura e Rita são minhas avós. Elas já partiram há algum tempo, mas permanecem vivas na força, na fé, na garra, na sutileza, na coragem, na ternura, na resiliência, nas tessituras e nos laços que abraçaram e constituíram seus doze filhos, netos, bisnetos, trinetos, familiares e amigos.
E foi assim que elas fizeram história. E a essa história dedico minha homenagem, com o coração repleto de carinho, amor e gratidão..
Feliz Dia das Mães!
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