Dona Maria Lino: Uma mulher paraibana repleta de histórias
- Bruna Basevic
- 27 de jun.
- 4 min de leitura
Por: Ana Claudia Magnani

Mãe de quatro e avó de uma; Educadora-Pedagoga pela UNESP/FCLAr; Sonhadora em busca constante por outros mundos possíveis para a educação; Mestra-Pesquisadora em constante processo extensionista pela UNESP/FCLAR. Doutoranda em Educação pela UNESP/FCLAr
buscando conhecer os sonhos das crianças e como estes impactam sua permanência e
desenvolvimento escolar. Artista-arteira-brincante, Arte-educadora nos Saberes Populares com a Carroça de Mamulengos/A Casa Tombada. Aprendiz inveterada das crianças que compartilham seus saberes nos encontros programados e, nos outros tantos espontâneos, em diferentes espaços e contextos. Além disso, tenho escutado mulheres nos mais diferentes contextos buscando tecer com elas, redes de cuidado e proteção.
O fim da tarde se aproximava rapidamente e os últimos raios de sol iluminavam a cúpula da Igreja Nossa Senhora da Conceição em Sumé, na Paraíba. Caminho pela calçada de modo absorto, pensando em quantos Brasis compõem o Brasil e como é equivocada a nossa percepção do ser menina-mulher nessa diversidade, como perdemos em não aprendermos escutando umas as outras com cuidado, aprendendo estratégias de vida e de sobrevivência e, principalmente, de como é uma estratégia da colonização ainda vigente, nos manter apartadas, sozinhas em nossas realidades, sem conhecer outras histórias de mulheres.
Na calçada que ladeia a igreja me deparo com uma senhora sentada em sua cadeira na calçada, como tantas outras, em tantos outros lugares. Noto seu cabelo branco, curtinho, seu corpo forte, seu rosto marcado por muitas histórias vividas, mas quando seu olhar se ergue, vislumbro a sua força. E esse olhar me encanta.
Tenho, porém, sempre o cuidado de não ser invasiva, sorrio, a cumprimento e sigo. Ela me chama com sua voz forte e levemente rouca, nada convencional, e me pergunta de onde sou, pois notou minha pronúncia diferente.
Ela me ofereceu a abertura para o diálogo e eu aceito. Volto-me e ela diz que quer me presentear e some rapidamente no interior da casa, voltando com um poema-ilustrado-dobradura que aprendeu com a prima quando tinha 14 anos e, que hoje, faz como sua arte.
Sentei-me no beiral da porta para escutá-la e me perdi no tempo.
Dona Maria Lino, com seus 85 anos de vida, começa a me contar, aos pouquinhos, sua história.
“- Quinze anos na fazenda do meu pai. Fiz tudo na fazenda. Com 5 anos de idade, meu pai tinha os meeiros, e eu era quem carregava o milho no jumento, com 5 anos. Com 8 anos eu andei muntada numa garrota. Com 8 anos meu pai foi pra Livramento e trouxe duas espingardas, uma para mim e outra pra meu irmão. Uma era de dois canos e a outra de um cano. Eu disse a pai que queria a de dois canos porque dava dois tiros. Uma tarde eu fui caçar mais meu irmão, eu matei quinze preás e ele só matou cinco.
- Meu pai vai, vende a fazenda, nós fomos morar no Riacho Cariri, junto de Amparo. A primeira mulher que vestiu uma calça comprida fui eu. Meu irmão foi pro Rio de Janeiro e deixou a roupa dele. Eu vestia a roupa dele, botava um revólver na cintura e ia pra feira do Amparo. Na feira do Amparo tinha um cabo e um soldado. Meu pai me dava dinheiro e eu mandava eles compra as coisas na budega pra eu pagar. Ai eu dizia ao cabo: Cabo João, não bula comigo não. Ele dizia: Mariinha, você pode andar com seu revólver na cintura que ninguém bole com você.
- A primeira mulher que correu em vaquejada aqui na Paraíba, foi eu. A primeira vaquejada que houve, eu corri mais Severino Delico. Eu andava em pé em cima de um cavalo. Eu fiz tudo no mundo, só não fiz rouba e mata. Não tenho inveja de homem, nem de mulher, nem de sordado, de nada”.
A conversa continua, mas não mais gravada pelo celular; ela se torna gravada na minha memória. Fiquei mais de hora sentada na calçada escutando suas histórias de quando se casou, de cuidar da casa e dos filhos – que incluía cuidar do roçado, rebocar paredes, telhar a casa – de trabalhar sem parar. Mas não era trabalho, era dever. Seu marido que trabalhava e trazia o dinheiro.
Dona Maria Lino me contou que se tornou rezadeira a uns dez anos, pois não podia deixar o ofício morrer. A vizinha mais idosa, antiga rezadeira da comunidade, sentia que estava chegando sua hora e passou seu saber pra Dona Maria Lino.
Fiquei olhando para sua face e tantas e tantas questões me atravessaram. Ela é da idade da minha mãe e, apesar de ambas viverem suas lutas, na mesma época histórica, tiveram vivências completamente diferentes, pois viviam em territórios diferentes, com culturas diferentes.
Imagino a menina Maria Lino atirando, caçando, trabalhando desde pequena, enfrentando uma garrota ou os homens com seu revólver na cintura. Em nenhum momento a escola foi citada – mas sei que ela foi escolarizada – talvez por não serem as lembranças mais marcantes das suas vivências na infância.
Dona Maria Lino não falou em nenhum momento sobre a mãe – talvez tenha morrido cedo, não sei - e o pai a criou para se defender, a ensinou a atirar desde pequena, permitiu que vestisse calça, que andasse de revolver na cintura. Fatos que demonstram ser a região que vivia, perigosa para as meninas-mulheres. Os homens podiam “bulir” com elas.
Uma menina-mulher criada para não ter medo de nada, para ser resistente, para falar com voz firme, para fazer tudo. Mas sei, olhando em seu rosto, que nada foi fácil para ela. Que aconteceram lutas - com vitórias e derrotas, muito trabalho não reconhecido, muito de tudo. Porém ela está aqui, contando sua história como a heroína.
Aprendi com Dona Maria Lino, naquele final de tarde em Sumé, que estar sendo menina-mulher no Brasil é uma questão de tempo e de espaço; mas que algumas questões sempre nos aproximam: o trabalho extenuante e não remunerado, as violências contra os nossos corpos, as obrigações que não pedimos, as histórias sem rostos e sem nomes que se perdem no tempo.
Com Dona Maria Lino percebi o porquê tem me encantado andar pelo Brasil escutando as histórias das meninas-mulheres, nos mais diferentes territórios: para dar nome e rosto a histórias de força e resistência, para mostrar que não estamos sozinhas, para incentivar as mulheres a tecer redes de cuidado e proteção umas com as outras, para mostrar que podemos fazer tudo, seja começar a se tornar uma pesquisadora aos sessenta anos ou ser a primeira menina-mulher a montar numa vaquejada.
Não foi bonita essa história?
Histórias como as da Dona Maria Lino inspiram demais — mostram a força e a sabedoria de quem viveu intensamente. Cada detalhe da trajetória dela é como uma aula de vida. Me fez lembrar que, assim como na vida, nos jogos também é preciso saber o momento certo de agir. Se alguém aí curte jogos online, recomendo esse artigo com 5 dicas valiosas sobre caça-níqueis, direto de um especialista: https://www.centralxbox.com.br/2025/06/13/5-dicas-de-caca-niqueis-que-voce-precisa-saber-diretamente-de-um-especialista-em-cassinos/. Informação sempre faz diferença, seja no dia a dia ou na diversão!